Não sei se a alguma personagem foi dada a oportunidade, pelo seu autor, de se expressar, nem isso me interessa. No meu caso, o autor, deu-me liberdade para dizer, por mim e por ele, o que acho deste seu último romance, onde sou protagonista e parte.
Como saberão todos os que leram ou que eventualmente irão ler o livro, eu não estou identificado pelo nome - opção apenas do autor, que me contrariou -, mas todos perceberam que eu sou colega dele, no activo, enquanto o escritor já passou à reserva. Logo, estou à vontade para dizer o que penso e deixar-lhe aqui alguns conselhos pertinentes; e ele, se bem entender na sua casmurrice, deve ter em conta.
O Primeiro. Cem livros que ele venha a publicar, sem convites e sem lançamentos será o meu conselho. Convidar este mundo e o outro para só aparecerem os amigos, que de facto o são, para pagarem o livro, não se faz! É como convidar esses mesmos amigos para almoçarem em casa dele e cada um pagar o próprio almoço.
O Segundo. Se cair na esparrela de continuar a "convidar", que o faça através de uma comunicação com o título de Evento. Como sabem, o Evento é o deus romano que representa o Acaso, que se complementa com as divindades Fado e Destino. A apresentação de um livro que assim se designe integra-se no âmbito do Acaso, da Disponibilidade e da Amizade, factores que preenchem ou deixam sem ocupantes as cadeiras de um auditório; e evitam que os fotógrafos, num misericordioso jogo de enquadramentos, preencham a imagem apenas com as cadeiras ocupadas.
O Terceiro. Se persistir no Evento, que esteja atento às promessas do editor, não vá acontecer, como neste caso, que os convites e os cartazes prometidos, não tenham chegado, obrigando o pobrezinho a imprimir à pressa, a preto e branco, quarenta convites, dos quais apenas distribuiu, como carteiro e no dia anterior, apenas vinte e cinco. Para além de provar a sua inaptidão para trabalhador dos CTT, fez 25 apresentações prévias da obra, o que limita o tempo disponível para a tarefa.
O Quarto. Antecipadamente - e sem dizer para quê - procure indagar no círculo de amigos, os dias em que estão disponíveis, uma vez que, por Acaso de ambas as partes, agenda o lançamento para alturas em que os ditos não estão legitimamente disponíveis. Ora bem, eu vou ser sincero: se me convidassem para almoçar, com o intuito de eu pagar o almoço e ser servido por uma refeição que eu nem sequer escolhi, era capaz de arranjar uma piedosa escusa justificável. No caso dele, até teve sorte: apareceram pessoas que nem sequer tinham sido convidadas.
O Quinto. Se quiserem remeter um "press release" para anunciarem nos jornais locais, regionais ou nacionais, como notícia, o dito Evento, procurem pagar do próprio bolso a publicidade, porque isso é, para a maioria, a "não notícia", do género daquela do cão que mordeu o homem e não do homem que mordeu o cão. Os "media" não consideram a cultura notícia, a não ser que o escritor se imole, na praça pública, com a sua obra e uma garrafa de gasolina, se houver roubo de um quadro, se o maestro agredir com a batuta o pianista ou o realizador de cinema apalpar, em público, as nalgas da actriz principal. Por isso, paguem a publicidade. Lá diz o provérbio: " quem quer bolir com a moça, bole com o pé e com a bolsa".
O Sexto. Sigam o pensamento de Fernando Pessoa: "Que me pesa que minguém leia o que escrevo? Escrevo-me para me distrair de viver, e publico-me..."
O Sétimo. Este é o conselho para todas as personagens de todas as obras dos escritores e para os respectivos leitores. Nem tudo o que lá vem é verdade ou ficção. É o bestunto do autor a trabalhar. No meu caso - e pesa-me dizê-lo - calhou-me este Santos Costa, que não beneficiou a minha imagem, não consegue espalhar a minha fama e, ainda por cima, quase me enxovalha com os convites. Por isso, remato com a adaptação de um ditado popular: "Nem bois de cornos grandes, nem editoras grandes, nem burro que faz "im",nem escritores que escrevam o que este escreveu de mim, nem mulher que sabe latim e das que mijam em pé livre-nos Deus e dominé".